domingo, 30 de junho de 2013

Ipê Amarelo da Festa

7- EM AGOSTO OS IPÊS FLORESCEM

Uma das coisas mais bonitas de que me lembro era do ipê amarelo que tinha na casa da minha vó Rosa, na rua 35, em Barretos. Ele sempre estava florido na época da Festa do Peão. A festa, uma coisa da cultura regional,cresceu exageradamente.
Mas,  me recordo da "Comitiva" com cavaleiros anunciando a festa pelas ruas da cidade, com a tradicional "queima do alho". Lembravam as raízes dos antigos tropeiros de gado, que levavam os bois de Barretos até Uberaba para serem comercializados. Era bonito de se ver. Ainda mais que meus dois avós, tanto o seu Antônio como o Edeluz, participaram destas tropas.
Levavam um mês para levar o gado até Uberaba, conduzindo, com seus berrantes, as comitivas que tinham tudo a ver com os tropeiros descritos no Grande Sertão: Veredas. A própria brasilidade interiorana.
Já velhinho, meu avô Antônio era bom no sapateado e ainda dançava catira com muito estilo.
Mas, em minha infância, meu tio Neném Goiano era dono da sorveteria Kimel, que vendia os picolés no antigo recinto da Festa do Peão, ainda dentro da cidade. Eu pegava um isopor com sorvetes e vendia tudo rapidinho. Até porque, sempre faz muito calor na Festa do Peão. Ganhava, a dinheiro de hoje, uns 15 reais por dia, o que para mim era uma fortuna, se convertida em balas e doces.
Depois, a festa cresceu, se americanizou e virou algo muito mais próximo do Texas do que de nossas raízes caipiras. Ela não me representa mais. Por isso, tenho saudades do ipê amarelo da rua 35.

O Tio da Cachaça


6-TIO "ODEMAR PAULISTA"

 Aprendi com  Riobaldo, de O Grande Sertão: Veredas ( de Guimarães Rosa, o MEU livro preferido) que as narrativas da memória não são lineares. Daí resolvi bagunçar um pouco o esquema do blog, até aqui  muito certinho ao seguir a ordem cronológica dos fatos.
Pois bem. Percebi há tempos que, quando falo da "minha família", sempre me refiro aos portugas, do lado dos Freitas, de meu pai. Talvez o motivo principal seja ter perdido minha mãe aos 16 anos e ter, a partir daí, tido pouco contato com os parentes do lado materno.
Minha mãe era do terceiro casamento de minha avó Florescena, viúva três vezes, que, com seu último esposo, teve ela e um outro filho, o tio Odemar. O nome deste meu avô é uma das coisas que mais orgulham: "Edeluz Pinto da Silva". Em uma tradução livre, eu digo que era o próprio "Pinto Luminoso do Mato". Ser descendente dele é assim, uma honraria. Se é que vocês me entendem.
Mas, voltando ao Tio Odemar. Ele se mudou para uma fazenda em Goiás há muito tempo e perdemos o contato. Passaram-se 20 ou 30 anos. Depois, fui saber que a fazenda agora era em Tocantins. Não que ela tenha saído de lugar, mas mudaram os Estados. Um dia, falo com meu tio ao telefone e ele me diz: "estou velho e doente, e você é meu único sobrinho de sangue. Venha me visitar".
Uma ordem, praticamente irrecusável. Peguei a moto e fui com meu filho na garupa até a fazenda dele. 430 km de onde moro. Visitei-o algumas outras vezes. Ia conversar com ele, tomar aulas de sinuca em sua mesa profissional, que aparece na foto (sim, ele chegou a jogar com o Carne Frita, do mesmo nível de Rui Chapéu. Ambos ganharam dinheiro juntos, dos patos nas mesas) e claro, buscar a tal cachaça que ele produzia artesanalmente.
Esta cachaça esteve presente em alguns encontros de Blogueiros Progressistas e também em Encontros Motociclísticos. Sempre fazendo fãs. Fiz muitos amigos com ela, de todas as partes do país. O Tio já se foi, mas eu ainda gosto de uma sinuca e da cachaça dele, agora fabricada pelo meu primo Odemar Júnior.
A lembrança mais antiga que tenho do Tio, era que ele tinha uma Lambretta. E andou comigo, ainda pequeno, em pé, entre o guidon e o seu banco. Legal esse troço. Dai eu voltar de moto ao seu encontro, né?

Era tipo uma Playboy, tendeu?

5-O NICANOR É MAU

Nós íamos a Barretos quase que semanalmente. Além dos parentes (avós e tios), também por causa de dentista, médico e até as aulas de piano de minha irmã. Além disso, tinha um casal de amigos dos meus pais, que a gente ia muito na casa deles e eram também chamados de "tios". A dona Alice e o seu Ubyrajara. Eles tinham lanchonete em escola, assim, eu sempre ganhava guaraná e guloseimas. Mas, meu lugar preferido na casa deles era um quartinho nos fundos, com uma rede, onde eu passava tardes lendo revistinhas do pato donald e uma coisa muito mais divertida: um jornal engraçado, que se chamava Pasquim.
Pois um belo dia, encontrei na banca de revistas em Guaíra o Pasquim. Não tive dúvidas, comprei e levei orgulhoso para casa aquele jornal bacana. Mostrei para o meu pai, que me alertou: "Se você quiser comprar, tudo bem. Mas enrole, bote debaixo do braço, não mostre ou comente com ninguém e leia aqui em casa". Nossa, achei estranhas aquelas palavras. Seria o pasquim uma espécie de revista playboy? Uma coisa proibida? Mas, porque então vendem para uma criança?
Hoje entendo o que acontecia naquela época, início dos anos 70. Na cidade tinha um delegado com fama de mau, chamado Nicanor. Só muito mais tarde fui entender o significado das palavras "repressão e ditadura". Felizmente, elas não eram próximas de nós na minha infância. Vantagens de se morar em uma cidade pequena, no interior. E claro, do meu pai ter me dado um bom conselho.

sábado, 29 de junho de 2013

Homem na Lua e o General

4-E OS ANOS 70 CHEGAVAM

Em 1969, o homem chegou na lua, com transmissão emocionada pela tv. Eu assisti, mas na casa de um vizinho. Era o que se chamava, na época, de "televizinho". Só no final do ano é que tivemos nosso primeiro aparelho, preto e branco, é claro. "Custou uma fortuna", dizia meu pai, que teve que fazer muitas horas-extras no serviço para comprar uma. Logo depois, entrei na escola e descobri que tinha uma coisa, tão distante como o homem na lua, chamada "Presidente da República". Na época, era um tal de Médici.
E então veio um momento mágico: a Copa do Mundo de 1970. Como era pequeno, lembro-me de poucas coisas. Um monte de gente ia assistir aos jogos em nossa casa, já que poucos lares tinham o tal aparelho caríssimo e que ao final, quando o Brasil ganhou, lembro de ter visto a primeira "carreata". Não era 7 de setembro, carnaval ou aniversário da cidade, mas confetes, serpentinas, carros com bandeiras, latas penduradas nos párachoques, gente alegre buzinando e comemorando, mostravam que era uma festa incomum. Aquilo marcou meus olhos e minha memória. Seria Pelé um Extraterrestre?

Agora chegou a nossa vez

3- NÃO ERA O SIMCA CHAMBORD

"Um dia meu pai chegou em casa, nos idos de 66"... pilotando o nosso primeiro carro (ok, não era novo, já era usado) uma DKW, modelo Vemaguet, como esta da foto (a cor tenho certeza: era azul).
Foi muita emoção para mim,  aos 3 anos de idade. Fiquei preocupado porque não tínhamos garagem e o carro teria que ficar na rua. Comentei com meu pai: "tenho uma dó deste povo pobre, que não tem carro". Isso, porque sabiamente, eu já percebia que meu "status" havia mudado. Não lembrava que no dia anterior quem não tinha carro era a gente. Mas, isso são detalhes.
Em 1969, fizemos uma emocionante viagem com a "dekinha" até Brasília, quase 600 km. A bordo, meu pai, minha mãe, eu, minha irmã e a vó Rosa. Tinha uma foto que a gente morria de vergonha: eu sem os 2 dentinhos da frente e minha irmã fashion com óculos escuros e armação branca diante da estátua dos 2 Candangos. Foi a primeira vez que pisei no Planalto Central. Só voltei quando passei no vestibular da UnB e aqui estou há 30 anos. A minha irmã não virou candanga, só eu. Mas isso, já é outra história.

Baby Easy Rider

2-MEU VELOCÍPEDE NÃO ERA VERMELHO.

Acho que era azul (ou talvez verde), mas era neste estilo. Nada de modernidades de velotrol (isso já foi na época de meu filho).
Um belo dia, sai com o velocípede e simplesmente "desapareci". Cidadezinha pequena, pacata, todos ficaram preocupados. Onde estará o Fernandinho? Parentes, amigos, vizinhos...todos procurando. Até que meu pai entra em um mercadinho e pergunta para a dona, uma japonesa, se ela não tinha visto um menininho em um velocípede. Ela respondeu que sim. Que eu tinha entrado lá e pedido a ela uma laranja. Disse que achou bonitinho, descascou a laranja e me deu. Eu teria dito a ela que estava fugindo de casa e iria para a casa de minha avó. Normal, se não fosse que minha avó morava em Barretos, a 44 km de Guaíra e eu tinha apenas 3 anos de idade.
Meu pai me achou a uns 2 km de casa, já quase na saída para Barretos (o que, pelo tamanho de Guaíra, e pelo meu, era muito longe). Só me lembro que quando cheguei em casa, minha vó Rosa estava lá. "Tadinho do menino, tava com saudade da vovó" e não deixou meu pai me bater. Desde este dia tive certeza de que eu amava minha avó. Também desde este dia comecei ouvir comentários de que "este menino é meio doidim". Dai a virar motociclista, foi só uma questão de tempo.

Autobiografia não autorizada de mim mesmo

Olá, petoas. Este sou eu quando essa história começou.
Já iniciando as comemorações dos meus 50tinha (que chegarão quando entrar setembro) resolvo fazer este blog para contar 50 causos que vivi. Será uma espécie de "autobiografia não autorizada de mim mesmo", ou seja lá o que isso for. Então, vamos começar do começo:

1- EU NÃO SOU DE ONDE DIZEM QUE SOU

Posso afirmar com certeza de que a primeira controvérsia de minha vida é quanto ao meu nascimento. Diz lá na Certidão que nasci em Barretos, SP. Mas eu nunca morei em Barretos. Não gosto de música sertaneja nem de rodeios. Está em minha identidade e em todos os meus documentos. Uma fraude? Menos. Explico: Meus pais, ambos naturais de Frutal, MG se conheceram em Barretos. Casaram, minha irmã nasceu em Barretos e se mudaram para a cidadezinha ao lado, Guaíra, quando meu pai passou no concurso do Banco do Brasil. No ano seguinte, quando eu nasceria, levaram minha mãe para Barretos, porque lá tinha hospitais melhores, médicos conhecidos e familiares. Então, posso dizer simplesmente que fui parido em Barretos.
Eu não me lembro disso (seria mesmo um fenômeno se lembrasse), mas contam que com 60 dias de idade me botaram em um táxi e me levaram para casa, em Guaíra. Normal, se a estrada não fosse de terra ainda e o tal táxi uma DKW. Cheguei vermelhinho de poeira, suspeitaram que a pobre criança poderia não vingar. Mas, aqui estou eu quase 50 anos depois. Sendo até hoje chamado de "caipira de Barretos" ou "peão de boiadeiro". Em sua defesa, meus pais podem alegar que fizeram isso para o meu bem, né? Coisas da vida.